Escrevi esta crônica para a aula de Crônicas da Regininha, há uns bons 3 anos atrás.
Revirando meus arquivos, encontrei, e ainda gosto dela, por isso, fica aqui.
O homem que queria ser santo
Depois de tantos anos dedicados a Igreja, ele decidiu que iria ser santo. Tirou fotos com a bíblia nas mãos, olhando imponente para as lentes do fotógrafo, vestido com a já conhecida túnica de frei. Já tinha lá quase seus oitenta anos, quase sessenta dedicados à paróquia. Acordava todos os dias, às seis da manhã, para rezar nos hospitais da cidade e as sete e meia já estava rezando a primeira missa do dia, freqüentada pelas mesmas carolas assíduas de sempre.
Um dia uma das carolas mais próximas comentou: Frei Policarpo, o senhor vai ser santo! E não é que ele gostou da idéia? A partir daquele dia começou a espalhar a futura e fatídica verdade: nascera para se tornar santo. Ainda não tinha milagre, mas recomendou as moças da igreja a trocarem a imagem de Santo Antonio do altar pela foto dele. Se rezassem toda noite, fariam com que intercedesse junto a Deus pela nobre causa do matrimônio. O fato de ele ainda estar vivo- vivinho da Silva- não impedia que se comunicasse assim, tão de perto, com o Senhor nosso pai. A verdade era que ele, como futuro santo, já tinha o caminho aberto, e podia furar a fila dos pedidos.
Ele esquecia de para quem havia dado a foto. Muitas mulheres ganharam mais de uma. E colocaram todas em belos porta-retratos, para melhorar suas chances. Chegava Policarpo todo faceiro, perguntando: Querem uma foto de um homem que vai ser santo? Elas queriam. Olha o sonho de conhecer em vida, um homem que só seria reconhecido pela santidade após a morte?
Tenho cá pra mim que era santo mesmo. Quando criança, na época da catequese, a missa favorita de todas as crianças era a dele. Não por que todas gostassem de missa – iam pela mais pura obrigação. E bem por isso gostavam tanto. Frei Policarpo pulava tudo que não interessava realmente e fazia a missa de uma hora se enxugar para apenas 15 minutos. Sim! Quem se atrasasse corria o risco de chegar já na oração final, e vão em paz e que o senhor vos acompanhe!
Nunca entendi por que tanta pressa. Acho que ele, apesar de ser padre, também não gostava daquela enrolação. Virgem Maria já devia estar cansada de ouvir Ave Maria tantas vezes. Logo, ele resumia: Ave maria…nossa morte. Amém. Falava tão rápido e enrolado que para os mais desavisados cortava todas as palavras do meio.
Começou a se dedicar então a vida de santidade. Rezava em qualquer lugar, a qualquer hora e por qualquer causa. Estava lá, na paróquia, sempre para atender aos mais necessitados. Mal almoçava já voltava para a paróquia, e se alguém precisar de uma benção? O que é que vão fazer? Ia nas casas com muitos insetos, detetizava pela oração. Depois chamavam o detetizador, ma só pra reforçar. Rezava casamento, rezava em velório, batizado, aniversário o que fosse necessário. Sempre com a mesma rapidez, aquela do Pai Nosso…livrai-nos do mal. Amém. Assim, resumido.
Havia os que pulavam ou seguravam a fila da confissão para se confessarem com o Frei Policarpo. Incrível que quando eu tinha 10 anos ele já era velho. E continua lá: velho e do mesmo jeito. A santidade conserva, só pode. Mas enfim, era bom se confessar com ele. Um velhinho que não escuta direito e mandava rezar ave maria pelos pecados, terríveis pecados infantis, só podia ser santo. Tive de rezar a Ave Maria. Tinha brigado com minha irmã. E falei tão rápido que acho que nem ele- santo das missas rápidas- escutou. Enfim, mandou rezar a Ave Maria, e que venha o próximo. Santo. Santo Policarpo, rogai por nós e abençoai as missas rápidas.Amém.